O Ministério Público Federal (MPF) afirma, no pedido de busca e apreensão da Operação Placebo, realizada nesta terça-feira (26) contra o governador Wilson Witzel (PSC) e outros alvos, que há "provável envolvimento da cúpula do Poder Executivo fluminense" em supostos desvios na área da saúde.
Os investigadores dizem que há "prova robusta de fraudes" e indícios da participação ativa de Witzel nos contratos suspeitos com os hospitais de campanha para combater a Covid-19.
As informações constam na decisão do STJ que autorizou a ação, assinada pelo ministro Benedito Gonçalves. A busca ocorreu no Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador, na casa onde ele morava no Grajaú e também contra a primeira-dama Helena Witzel, entre outros endereços. Aparelhos celulares e computadores foram apreendidos.
A operação tem como um dos alvos a organização social (OS) Iabas, responsável pela construção dos hospitais de campanha -- que ainda não foram entregues -- ao custo de R$ 835 milhões.
"O MPF imputa indícios de participação ativa do governador do Estado quanto ao conhecimento e ao comando das contratações realizadas com as empresas ora investigadas", narra o ministro.
Witzel nega qualquer irregularidade e afirma que todos os seus sigilos estão abertos. A Iabas diz que forneceu às autoridades todas informações e que o objetivo é salvar vidas (veja íntegra das notas ao fim da reportagem).
Ainda de acordo com a decisão do STJ, com base no relato do Ministério Público Federal, as investigações "confirmam a existência de fraudes e o provável envolvimento da cúpula do Poder Executivo fluminense".
Resumo:
Witzel e sua mulher, Helena, são alvos de mandados de busca e apreensão autorizados pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ;
STJ autorizou apreensão e quebra de sigilo de telefones celulares, que foram apreendidos
Organização social Iabas foi contratada de forma emergencial pelo governo do RJ para construir e administrar sete hospitais de campanha. Contrato no valor de R$ 835 milhões é cercado por irregularidades, segundo investigadores;
Governador negou participar de esquemas e ainda atacou Bolsonaro;
Outra operação da PF há duas semanas prendeu cinco pessoas, entre elas o empresário Mário Peixoto, que tem contratos de R$ 129 milhões com o governo do RJ;
Após essa operação, a Lava Jato no Rio enviou citações a Witzel para a Procuradoria-Geral da República;
Crimes investigados: peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. STJ autorizou depoimentos e, portanto, Witzel pode ser ouvido.
Escritório da primeira-dama
A investigação aponta ainda "vínculo bastante estreito e suspeito" entre a primeira dama Helena Witzel e as empresas do empresário Mário Peixoto, preso no início do mês. Ele nega qualquer relação ilícita com o governador (veja nota no fim da reportagem).
De acordo com a apuração, o escritório de advocacia de Helena Witzel tem um contrato de prestação de serviços com a empresa DPAD Serviços Diagnósticos, ligada a Peixoto.
Documentos relacionados a pagamentos para a esposa do governador teriam sido encontrados no endereço eletrônico de dois homens apontados como operadores financeiros do empresário preso.
As empresas de Peixoto têm contrato com o governo desde a gestão de Sérgio Cabral (MDB) e os mantêm na de Witzel. Segundo o Ministério Público Federal, a manutenção dos acordos se deu por meio do pagamento de propina.
Outra suspeita é que Peixoto estivesse interessado em fornecer serviços para a administração pública em contratos dos hospitais de campanha para Covid-19.
Estrutura hierárquica
Segundo o MPF, Wilson Witzel mantinha o comando das ações auxiliado por Helena Witzel. O ex-secretário Edmar Santos delegava funções ao ex-subsecretário Gabriell Neves, criando a estrutura hierárquica que deu suporte aos contratos fraudulentos.
A estrutura, diz a investigação, indica que no núcleo do Poder Executivo foi criada "a estrutura hierárquica, devidamente escalonada a partir do Governador, que propiciou as contratações sobre as quais pesam fortes indícios de fraudes".
Hospitais de campanha
Ainda de acordo com o ministro do STJ, os procuradores "afirmam a existência de prova robusta de fraudes nos processos que levaram a contratação do Iabas para gerir os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, tudo com anuência e comando da cúpula do Executivo".
O acerto teria ocorrido, conforme a investigação, com orçamentos fraudados para serviços de montagem e desmontagem de tendas, instalação de caixas d'água, geradores de energia e piso para a formação da estrutura das unidades.
A investigação é feita em conjunto pelo MPF e pelo Ministério Público estadual. Outra suspeita, como mostrou o G1 há duas semanas, é a decisão de Witzel que permitiu o poder público voltar a contratar a Organização Social (OS) Unir Saúde, que seria ligada a Peixoto.
A empresa havia sido desqualificada, mas o governador assinou a revogação da desqualificação. O MPF afirma que há "indicativo de possível ajuste ilícito entre M.P. (Mário Peixoto) com o Governador", com base numa interceptação telefônica.
O que diz o governador
"Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal. Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará. A interferência anunciada pelo presidente da república está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça, meus sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos. Não abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro".
O que diz o Iabas
"A direção do IABAS esclarece que forneceu às autoridades todas as informações e documentos solicitados e está à disposição para quaisquer novos esclarecimentos. O objetivo do IABAS é promover o melhor atendimento às vítimas da COVID-19 e salvar vidas".
O que diz Mário Peixoto
“Não existe relação ilícita entre Mario Peixoto e o Governador Wilson Witzel. Qualquer acusação neste sentido é absolutamente descabida e irreal. Questões políticas não se misturam com questões jurídicas. Investigações policiais devem ter como norte a imparcialidade. Nenhuma empresa vinculada a Mario Peixoto contratou com o Governo do Estado, na área de saúde, durante a epidemia de Covid-19. Mário Peixoto não possui nenhuma relação com o IABAS. Alessandro Duarte é consultor da empresa Atrio, da qual Mario Peixoto já foi sócio (não é mais). No entanto, Alessandro possui empresas próprias, com atividades próprias, sem vinculação alguma com Mario Peixoto. Mario e o advogado Lucas Tristão são amigos, sendo que o escritório de Tristão já prestou serviços jurídicos à empresa ligada à família de Peixoto”.
Fonte: Site G1